Saio pela rua sem ter a noção de qual caminho tomar. Se pudesse, fugiria. Mas não posso, faço parte do sistema. Meus passos ora são firmes, ora vacilantes. Esse lugar me causa estranheza. Observo a multidão que passa por mim em uma manhã gélida e me vejo em cada rosto. Como pode ser? Será que sou um deles?
A perfeição não existe, embora continue a incessante busca pelo inalcançável, o que gera em mim uma sensação de enfado. Falas, gestos, emoções, desejos. Braços, pernas, mãos, pés, rosto, cabelo. Qual a razão de sermos iguais? Por que não ser diferente? Perfeito equilíbrio, exatidão metódica, estudada e observada por câmeras que insistem em filmar cada passo, cada gesto.
O desejo de observar o ser humano em seu estado bruto é atribuído ao avanço tecno-científico. Afinal, todo conhecimento nos levou a esse estado de coisas. Somos livres. Toda sabedoria nos pertence.
Novos humanos serão fabricados em série com adicionais mais avançados. Sei que sou um modelo ultrapassado. Já não sirvo para quase nada. Sugaram a minha energia, a minha esperança, o meu gozo de viver. Hoje sou um ser vazio que vaga em um universo que sinto não ser o meu.
Essa sensação me leva a questionar qual o sentido da vida. Mas não cogito a morte, não me é permitido.
Se pudesse choraria, mas não vim com esse adicional “de fábrica”.
Por Rê Lima. Imperfeita, mas feliz.
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PERFEIÇÃO
02/04/2008
Postado por Rê às 23:53 | Marcadores: Autora-Rê Lima, Tema II - Ciência |
Bem legal esta identificação com uma máquina.
Adicionais... modelo ultrapassado... isso me lembra Isaac Asimov.
Parabéns
Bjs
Noossa...em poucas palavras você conseguiu agregar tanta profundidade. Me lembrou muito a sensação de inquietude e perda transmitida pelo personagen principal do filme "Quem somos nós"...não sei se tem a ver. Mas, me lembrei disso.
Sei que esse pensamento fabril de modelos humanos seriados é um assunto que me instiga muito.
Demais!
Beijos
Rê, estou passada...
Fiquei imaginando como seria nós humanos escolhendo adicionais de fábrica...
Ótimo...Parabéns!!!
Bjs