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  1. Indefinições

    28/10/2008

    Por: Giovanni Nobile

    Há vaga...
    Vagas lembranças,
    Esquecimento.
    Cimentado peito,
    Que já não vive as dores passadas...


    - Talvez seja bom sair da rotina. Às vezes, pode fazer bem. Sinto saudades dos nossos discos arranhando na vitrola. Dos cheiros dos livros ajeitados, meio que sem ordem, naquela estante já capenga, calçada por um Iracema todo surrado. Vontade de uma cerveja, agora, como nos velhos tempos, ouvindo Bob, na vitrola. Lembra?
    - Lembro, claro que lembro.
    - De mim, dos livros ou do Bob?
    - A capa do livro era amarela, não era? Ah! Não sei. Acho que vivo sonhando. Sonho acordado, de vez em quando. É que sou meio desligado. Você sabe. Quer matar a curiosidade?
    - Hã?
    - Nada não. Você não está prestando atenção, não é?
    - Estou, sim. É que vivo sonhando. Você me conhece. Lembra daquele sonho que a gente sonhou junto?
    - qual?
    - Você se recorda! Tinha uma voz feminina...
    - Ah, não me lembro muito bem, não. Tenho vagas lembranças, somente. O tempo vai passando e parece que nebulosidades impedem que alguns raios de sol cheguem. É como naqueles desenhos animados. Sabe quando chove só n’a gente?

    ...Há vaga
    Neste peito já surrado
    Na lágrima seca no rosto
    No vão que existe no vazio do que um dia foi abraço
    Há vaga
    E vagas lembranças, de dores já passadas...


    - Eu fico de cara. Tem momentos em que observo a lua sozinha. Somos sós: eu e a lua. Tenho leves impressões de que estamos a sós. Só nós dois. E pesadas pressões de que o mundo todo não dá a mínima. Estamos sós. Parece que todos se esquecem de parar um pouco, não é?
    - Tenho vagas lembranças. Uns flashes, somente. Estamos a sós.
    - Eu, não. Lembro de cada detalhezinho. Das curvas gastas dos entalhes dos móveis da sala de estar, dos azulejos trabalhados, já manchados, mas ainda belos. Ela me odeia?
    - Quê?
    - Eu sei. Pode falar.
    - Bom, na verdade acho que todo mundo sabe, mas não vem ao caso, né?
    - É. Eu toquei no assunto por curiosidade. Na verdade, só pra confirmar, mesmo.
    - (...)
    - É tudo tão estranho.
    - É verdade, eu também acho.
    - Na verdade eu já não sei o que mais eu acho, mas já achei algo por um tempo. Eu acho. Mas não sei nada mais. Porque os meninos nunca assumem?
    - Hã?!
    - Eu era apaixonada por um menino na quinta serie! Gostei dele ate a sétima, oitava. Guardei até um papel de bala que ele me deu. Era doce. De mel, sabe? Era como o favo que a abelha fabrica no tronco da Andiroba.
    - Tinha, na doçura, o veneno?
    - Quê?
    - Iracema. Aquele que calça o pé da estante manca. Ah! Nada... continua!
    - Esqueci de onde parei. Só sei que daria uns capítulos de livro essa história. É Engraçado. Não sou velha, mas vejo umas coisas do meu passado e acho graça. Fico confusa. Você sente isso?
    - Tudo passa sobre a terra. Mas tenho pouca memória de tudo isso. Até já não sei mais se tudo isso um dia foi tudo ou se sempre foi nada. Acredita que não tenho nenhuma foto desta época?
    - Dessa minha atual vida adulta quase não tenho foto nenhuma, também. Uma madrinha minha me disse que as belas imagens a gente guarda é no coração...
    - É. O resto são fotos de praia, do natal e de aniversários de quando eu era criança e algumas outras fotos três por quatro que ficaram jogadas dentro de algumas agendas velhas.
    - ...Mas eu tenho foto sua em casa. Olhei num dia desses. Uma foto sua, me fotografando. Você não lembra desse dia?
    - Não lembro ao certo, mas lembro que você me falou algo.
    - Bom, devo ter falado mesmo.
    - Não, acho que não. Eu devo ter sonhado. Vivo sonhando acordado, você sabe disso.
    - Ué, mas dez minutinhos sonhando de verdade não faz mal pra ninguém. Ela já teve ciúmes?
    - Não, não. Mas é que deixá-la por baixo, assim, pegou mal, não é?

    ...E Sempre depois de um tempo acontece algo que surpreende, mas depende de como você encara as coisas.
    Têm coisas boas, coisas ruins...


    - Ah! É normal, né? Faz parte da vida. Fica tranqüila, não é nada grave. A gente tá sempre mais ou menos, na verdade. E, às vezes, fica meio por baixo, mesmo...
    - É. Mas há o que não merece ficar por baixo...
    - (...)
    - No fim, acho que você nem arrumou os livros.
    - Não! Deixa. Eu vou arrumar...
    - Não, mas não precisa... não tem nada, não. Eu sou meio maluca, né? É que às vezes eu viajo, começo a pensar nas coisas e falo sem nexo para os outros...
    - Um dia a gente precisa arrumar a vida, os livros. Remexer um pouco nas coisas, perceber as curvas da mesa entalhada, a luz da lua que entra pela janela, o azulejo na parede da cozinha. Um dia a gente tem que arrumar o pé da estante e reler a história daquela mulher, não é mesmo?
    - É. Acho que é.
    - Enquanto isso, deixa essa Iracema aí...

    ...Há vaga
    E vagas lembranças,
    Pois sei que me faltam fotos,
    Que me sobram fatos.
    E em fatias,
    a história se despedaça.


    - ...Deixa essa Iracema aí e me arruma uma cópia dessas fotos.
    - Se tiver o negativo, faço cópia pra você. Escuta. Iracema não é aquele da capa amarela?
    - Isso, capa amarela! Igualzinho Àquela foto guardada, sabe?
    - Ah, quer saber? Deixa pra lá esta história de fotos. Guardo estas imagens, mesmo amareladas, no coração. Pode deixar.
    - Sério?
    - É. Enquanto isso, deixa essa Iracema aí e vem pra cá, vem...

  2. Por: Cris Costa

    Uma bela mulher se levanta silenciosamente, veste o vestido preto que colava a seu corpo, como se tivesse sido pintado nele. Beija a face do homem que dormia na cama. Abre a porta do armário e guarda a caixinha de madeira na gaveta. Sai sem acordá-lo e desaparece.

    Ele acorda atordoado devido a grande quantidade de bebida que ingeriu na noite anterior. Se lembrava de muito pouco da noite anterior, a não ser da estonteante Luna que conhecera no bar e com quem saía já a algum tempo.

    Tomou um longo banho e saiu para o trabalho. Ao chegar ao escritório, recebeu o recado da secretária de que o Boss o esperava para uma reunião urgente. Boss era o fundador do escritório, advogado respeitadíssimo e admirador do talento do jovem advogado em elaborar álibis e consequentemente absolver seus clientes.

    Ao bater na porta ouve “Avante intrépido Luca, temos muito o que discutir hoje. Cancele todos os seus encontros amorosos, temos muito trabalho”. Mal acabara de se sentar e Boss começa a resumir o novo caso do escritório. Era um homicídio. Uma socialite havia sido brutalmente assassinada e seu milionário marido era o principal suspeito. Ainda não haviam provas concretas, mas segundo Boss “A polícia quer a cabeça do marido, ele é milionário, imagine as manchetes dos jornais – Milionário executa a própria esposa / Sr. J surta e assassina socialite com dois tiros na cabeça”.

    Após consultar todos os documentos e demais informações do processo, já com o cabelo todo bagunçado Luca expõe sua opinião.

    - Ele não confessou o crime, mas também não possui nenhum álibi.
    - Exatamente...sem nenhum álibi – responde Boss
    - Há testemunhas do assassinato a serem interrogadas? – pergunta Luca
    - Graças à Deus, Não!!!! O corpo foi encontrado no carro abandonado na rodovia, sem testemunhas – diz Boss
    - Então.... processo ganho! Porque me chamou com tanta urgência. Boss, este processo até você pode resolver sozinho – argumentou o jovem advogado.
    - Eu até resolveria, mas estou velho demais para isso. Ademais, segundo meu informante encontraram vestígios de DNA do assassino, que curiosamente coincide com o nosso ilustre cliente, sendo que esta informação ainda não está nos autos. Aguardam também o resultado da balística. Sinto grandes problemas.
    - Seria o milionário tão burro a ponto de deixar alguma prova no local?? Como não possui nenhum álibi??? Podemos criar um bom álibi para ele, e assim, encerra-se mais um processo! Vamos ao próximo caso!!– exclamou Luca
    - Não é tão simples como parece, meu jovem! Conversei com o cliente antes da sua chegada e lhe informei sobre o DNA – fez-se uma longa pausa, como se Boss escolhesse as palavras seguintes – ele tem outra mulher!!
    - E desde quando isso é problema. A maioria dos nossos clientes tem outra mulher e nem por isso deixamos de inocentá-los. – disse Luca
    - Se tudo fosse tão simples Luca....

    O dia seguiu, Luca e Boss em reunião para traçarem o esboço do caso. Quando o escritório já encontrava-se vazio, Boss forneceu o endereço da outra mulher da vida do milionário. Luca se dirigiu até o local. Encontrou uma mulher de aproximadamente quarenta anos, bem trajada que já o esperava. A casa era confortável, mas bem inferior ao que Luca esperava sendo a mulher amante de um milionário. Depois das apresentações iniciaram a conversa.

    - Ela nunca aceitou ser filha dele. Era uma tortura para ela. E tudo piorou depois que a mulher dele descobriu. – falou a mulher
    - Preciso falar com ela. Garanto que será acompanhada pelos melhores advogados da cidade e com certeza iremos absolvê-la – disse Luca
    - Ela me ligou ontem, dizendo que estava indo embora para sempre! – disse a mulher
    - A senhora sabe onde ela está? Precisamos localizá-la! Se ela não se apresentar o Sr. J irá responder pelo processo. Preciso saber o que motivou o crime – falou o jovem
    - Não sei...sinto muito! – respondeu a mulher com os olhos lacrimejantes, pois estava perdendo seus dois grandes amores: o amante e a filha

    Quando voltava para casa, o celular de Luca tocou. O número não era conhecido e ele não atendeu. A pessoa do outro lado era insistente, o que o fez atender.

    - Te espero no lugar onde nos conhecemos. Você tem quinze minutos para chegar até lá – disse a voz macia do outro lado da linha
    - Luna!!! – disse Luca

    Não ouve resposta. Ela já havia desligado o telefone. Naquele dia Luca estava exausto, não estava afim de se encontrar com Luna. Ele tinha que encontrar a filha do milionário ou o caso estaria seriamente comprometido. Ficou intrigado, pois não se recordava de ter fornecido a Luna o número de seu telefone celular, então foi até ao bar.

    - Olá, Luca!!! – disse a bela morena, beijando a face do jovem advogado
    - Oi...perdoe-me Luna, só que estou morrendo de pressa, estou atolado em trabalho, hoje será impossível um encontro – falou um Luca bem desanimado.
    - Seria devido ao assassinato de uma mulher da alta sociedade? – perguntou Luna
    - Você já leu a notícia dos jornais! – disse Luca
    - Não! Não li! – respondeu Luna, sorrindo.
    - Então como você sabe??? Aquela minha secretária é mesmo uma fofoqueira! Te passou meu celular e contou detalhes do meu atual processo! – falou Luca bem humorado
    - Luca, nunca conversei com a sua secretária. Tenho seu número pois peguei um cartão em seu bolso em um de nosso encontros. E sei do caso pois fui eu! – Luna falou pausadamente, para que ele entendesse bem
    - Você!!! Impossível!!!! Agora conta outra, pois esta não teve graça! – ele ficou sério e com quase sussurrando prosseguiu - Porque??? – falou Luca já com os cabelos desgrenhados
    - Simples !!! Ela mereceu o que aconteceu. Quando ela descobriu o caso de minha mãe com o marido dela, a “dondoca” teve um ataque pois ele queria me reconhecer como filha. Ela foi até a nossa casa. Até parece que ela nunca tinha desconfiado antes, impossível – falou Luna com um leve sorriso – Foram mais de vinte anos...e quando chegou em nossa casa começou a esbravejar que eu era ilegítima, sem valor algum, interesseira e continuou com o blábláblá, que nunca seria reconhecida e me ofereceu dinheiro para desaparecer. Dinheiro que aceitei prontamente, meu passaporte para a liberdade – encerrou Luna.
    - Mas porque???? Você não tinha interesse nenhum em ser reconhecida?? Porque aceitou o dinheiro da infeliz – questionou o jovem advogado
    - Depois de algum tempo a “dondoca” voltou desta vez passou a ofender minha mãe – respondeu ela
    - Mas o que tem isso??? – ele perguntou
    - Luca, ela chamou minha mãe de vadia e de muitos outros adjetivos que fico até enojada só de lembrar. Minha mãe é a mulher mais maravilhosa que já conheci. Depois que a Sra. J se acalmou pedi uma carona até a cidade, com a desculpa de que estaria partindo naquela noite e no caminho atirei nela com o seu revólver – desabafou Luna.
    - O que????????????- engasgou Luca – Atirou com o meu revólver....Meu????
    - È isso mesmo, o seu revólver, aquele que fica no armário dentro de uma caixinha bonitinha de madeira. È deste que está falando? – disse ela como se perguntasse as horas.
    - Mas porque???? – inquiriu Luca, branco como algodão.
    - Ok, hora da verdade – disse Luna, jogando os cabelos escuros - Primeiro a Sra. J... ela não deveria ter humilhado minha mãe daquela forma. Nunca pedimos nada ao marido dela, nunca os atormentamos. Ela devia ser mais humana e humilde. Quando ela chegou em casa, a tratamos com respeito e ela desrespeitou minha mãe em sua própria casa. Segundo, o Sr. J... nunca se importou com ninguém, além dele mesmo. Enganou minha mãe a vida toda e depois de vinte e dois anos queria me reconhecer, para mostrar-se nobre e digno de viver em sociedade. Me poupe! – Luna bebeu o restante da bebida de seu copo – E por último e não menos importante Você!!! Prepotente Luca, que transa comigo a vários meses e nunca se interessou em perguntar nada a meu respeito, nem mesmo o meu verdadeiro nome. – encerrou Luna, jogando os cabelos novamente para trás com ar de júbilo.
    - Luna não é seu nome verdadeiro??? – questionou Luca
    - Não bobinho!!! Quando realizarem o exame de balística vão descobrir quem é o proprietário da arma. E sabe do mais, não estou nem um pouco interessada em saber o que vai acontecer depois, nem como essa história vai acabar. Estou farta e tenho um vôo marcado – falou Luna em pé, beijando a face de Luca e desaparecendo na multidão.

    Quando Luca voltou a si, caminhava para a porta, mas foi impedido pelo barman que o avisou que tinha que pagar a conta. Depois de tanto cuidado para não se envolver seriamente com nenhuma mulher, pela primeira vez, Luca estava envolvido de verdade e o pior estava envolvido em um homicídio. Quando se aproximava de sua casa percebeu as luzes brilhantes e coloridas dos carros da polícia. Ao descer do carro, um policial se dirigiu a ele e depois de identificá-lo, falou a famosa frase.

    - O senhor está preso pelo homicídio da Sra. J? Tem direito a um advogado!
    - Policial! Eu posso explicar tudo! Eu sei quem foi...foi uma mulher!!! Foi a Luna!! – disse Luca, quando era encaminhado para o interior da viatura.
    - Filho!!! Aceite um conselho, conta outra história!!! Mulher....sempre é a culpada. Não cola mais...É um longo trajeto até a delegacia, pense numa desculpa melhor até chegarmos lá – falou o policial fechando a porta e rindo.

    Enquanto partiam, os policiais riam e um sargento comentou “essas mulheres, ruim com elas, mas pior sem elas”.

    E Luca começou a criar um álibi para si mesmo.

  3. «Só para justificar este texto estranho: eu não tive tempo de terminar, nem revisar, nem mesmo dar um título para ele, por isso não quero participar da votação, mas queria expor o que escrevi da mesma forma para a apreciação dos leitores.»
    Obrigada
    Medéia


    Saiu do formigueiro e olhou o sol brilhante e o céu azul. Respirou fundo e pôs-se a andar em direção ao aroma de comida. A grama alta indicava que havia a típica combinação de chuva e calor do auge da primavera. Seus pés ritmados deixavam leves pegadas atrás de si. Foi quando uma sombra cobriu o sol fazendo-o olhar para cima.

    Mas o que era exatamente aquilo? Ele não sabia e resolveu investigar. Saíra preparado para escalar se preciso fosse, e realmente era necessário. Com um fantástico pulo içou seu corpo a mais do que o dobro do seu tamanho alcançando parte do objeto que sombreava seu caminho. Ao pôr seu pé nele sentiu uma maciez que não imaginara. Ligeiramente rosado, o objeto era extenso, muito maior do que podia supor. Via ao longe muitas curvas e morros e não podia ver seu final, percebia que devia estar no começo (ou seria no final?).

    Resolveu explorar ao seu redor antes de continuar a caminhada. Era tudo muito macio e suave, mas existia um conjunto de pedras vermelhas que ele nunca havia visto antes. Eram pedras pois eram mais duras e deviam estar profundamente enterradas pois não conseguiu nem mesmo movê-las. O solo não era terra comum porque não podia ser escavada, mas era elástico.

    Sentiu novamente o cheiro de comida e resolveu seguir adiante. Uma leve subida levava a uma região reta com pouca curvas e alguns pequenos arbustos de uma só folha espalhados por toda área. Puxou um mas não conseguiu retirar facilmente. Fez mais força e a terra sobre seus pés mexeu-se abruptamente. Teve que se segurar para não cair.

    Esperou o terremoto passar e de repente parecia que estava pendurado no ar. Como se o chão sob seus pés tivesse se movido. Com mais um pulo voltou a vertical e apressou seu passo em direção ao cheiro de comida.

    Mais um morro em sua frente, fácil de passar, foi transposto e novo declive suave com um aclive leve na seqüência. Este objeto era mesmo curvilíneo. De repente uma pequena fenda onde terminava a parte rosada e iniciava uma parte vermelha vibrante. Esta parte vermelha era escorregadia e ligeiramente gelada. Segurando-se para não escorregar, transpôs devagar até chegar à parte rosada novamente.

    Olhou para trás e viu o longo caminho percorrido. Quando se virou para frente quase se desequilibrou e caiu em um poço não muito fundo no meio do caminho. Contornou o poço e viu dois morros gêmeos do mesmo material vermelho brilhante e entre eles um vale rosado. Para não repetir a escorregadia experiência passou entre os morros espantadíssimo com o tamanho deles. Tão assombrado estava que quando deu por si estava no meio de um emaranhado de fios dourados brilhantes.

    Que lugar realmente estranho, mas o cheiro de comida até sumiu pois os fios cheiravam a flores e estavam levemente úmidos. Saiu do meio deles e viu um grande paredão que levava a uma plataforma. Parecia ser o ponto mais alto do local. Se pudesse ver a comida de algum lugar, com certeza seria dali.

    Lentamente foi subindo, agarrando-se como podia enquanto sentia um ligeiro tremer do chão embaixo de seus pés. Levou o que lhe pareceram muitas horas na subida, mas conseguiu chegar lá e descobriu um local ainda mais alto com duas enormes cavernas na base. Este lugar esta ficando mais estranho a cada momento. Entre as duas cavernas e a plataforma onde estava uma grande fenda rodeada por um brilhante líquido vermelho e espesso cheirando a morangos exalava um ar quente em um tempo ritmado.

    Não sabendo mais como agir, ele olhou ao seu redor e viu a grama bem embaixo com um suculento prato de sanduíche. Ali estava o que queria, mas como descer?


  4. Nas duas faces de Eva
    A bela e a fera
    Um certo sorriso
    De quem nada quer...
    (Sexo Frágil - Rita Lee)


    Ei-la aqui. Leve e naturalmente bela. Impecável. Porte elegante, pose de rainha. Parece sair de um comercial televisivo. Mas o que a diferencia dos demais humanos?
    Ava, seu nome. Em homenagem a Gardner, dizia sua mãe. Foi criada para ser uma dama, embora tivesse dúvidas quanto ao seu próprio destino.
    Eva, sua primitiva antecessora, havia lhe mostrado o caminho das pedras: como ser única e especial quando se propõe a conquistar algo ou alguém.
    Ava em busca do seu sonho, talvez não se dê conta do quão magnética é sua presença. Atrai olhares por onde quer que passe, embora não o faça premeditadamente.
    Sabe ser irritantemente provocativa e sensual, sem de fato querer sê-lo. Não precisa forçar para aparecer. Como um sol de manhã radiante, assim é a sua presença por onde quer que vá.
    Seu destino não seria traçado por outrem a ditar-lhe ordens. Tem o controle da situação, embora não deixe transparecer. Pensa alto. Seus desejos, do tamanho do mundo, indicam a imensa vontade de viver. Sabe que o universo conspira a seu favor. Por isso, quer sempre mais de tudo e de todos. Às vezes, indaga consigo mesma se não é idealista e sonhadora demais.
    Propôs-se a não contentar com menos. Sentir-se livre e dona de si, dos seus desejos, das suas vontades. Não ser propriedade de alguém e nem permitir que se apossem dos seus sonhos.
    Permite-se sonhar. Assim, se liberta de todos os temores. E põe para fora os monstros escondidos em seu interior.
    Almeja, como todas, encontrar um grande amor. Embora se recuse personificar o ideal de mulher subserviente, doméstica e procriadora.
    O seu papel é brilhar na tela da vida. Os demais, coadjuvantes de sua história, giram ao seu redor e contribuem para escrever um enredo repleto de amores, dissabores mil, sob o embalo de uma trilha sonora eletrizante.
    Quer ouvir, mas quer ser ouvida. Quer sentir, mas quer ser sentida. Quer beijar, mas quer ser beijada. Quer amar, mas quer ser amada. Quer apenas ser feliz.
    Sabe que tem a seu favor o segredo. A poderosa arma feminina.
    Aliás, Eva, Ava e todas a possuem: um sexto sentido que as diferenciam do sexo oposto. Eles, os homens, jamais entenderão o que isso significa, mas estão por completo subjugados a seu poder.
    Eva, Ava e todas as mulheres têm por companheira, a intuição. Não por acaso, substantivo FEMININO.
    Afetivas por natureza desenvolveram melhor o chamado feeling, pressentimento, sexto sentido. A percepção das coisas. Assim, descobriram estar em vantagem, sem a necessidade de fazer uso da força bruta.
    Sabedoras da arte de ler nas entrelinhas, perceber pequenos detalhes, ler, interpretar gestos e sinais emitidos pelo corpo.
    Ava e Eva sentiram. Antes, pressentiram a grande conquista: o dominio do mundo. Impossível explicar o inexplicável. Graça. Dom divino. Intuição.
    Ave Ava! Ave Eva! Ave Maria!
    Fato é que todas mulheres a possuem e nessa infinidade de personalidades que as tornam únicas, todas são um pouco Eva, um pouco Ava.

    Por Rê Lima, mulher (em TPM) e nas sábias palavras de Rita Lee: "Bicho esquisito. Todo o mês sangra.Um sexto sentido. Maior que a razão".

  5. Tema: Mulher
    Período para votação: 29/10 a 31/10

    Por Lyani

    “Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste”
    Fernando Pessoa

    Ela tenta, sabendo que vai falhar, esquecê-lo, enquanto colhe as flores para levar à mesa da casa de sua mãe. Não quer amá-lo, nem desejar a sua escuridão e o seu sorriso sombrio e gelado. Mas sempre que é primavera ele faz tanta falta! Suspira e respira o ar impregnado de flores, lembrando-se de onde estava e seus deveres.

    Anda devagar pelo campo carregando as flores no braço. O sol tocando-lhe os cabelos e deixando um pouco mais clara a cor mel de seus olhos. Até mesmo no interior daquele imenso castelo a luz se faz intensamente presente. Não havia sequer um canto de sombra, um ponto de escuridão que pudesse amenizar a saudade.

    Sorri ao chegar à mesa com as flores colhidas, como tem que ser ao estar ali. Ouve as palavras de carinho de sua amada mãe e se sente confortada, quase feliz. As conversas, as horas, os sorrisos, os carinhos, as tarefas diárias naquela época do ano eram ótimas, não poderia reclamar, mas sempre falta alguma coisa. E o sorriso se desmancha quando está sozinha, a luz do olhar se apaga um pouco tentando relembrar, voltar ao lado sombrio em que ele estará presente.

    Ela se pergunta, às vezes, como pode sentir essa falta da escuridão, quando um dia fora apenas luz. Era feliz naquela sutileza de sentimentos, na colheita diária de flores, nas brincadeiras de roda com as amigas, na volta para casa e para o colo da mãe. Só que ele veio, um dia, trazendo toda aquela escuridão que turvou-lhe o olhar, enraizou um grito de medo na garganta, tirou-lhe o fôlego, a vida e a levou consigo.

    Sentiu tanto medo, tanta ânsia de voltar para casa, para a luz, para sua mãe, que passou meses desolada, vazia, infinitamente triste. Porém, aos poucos, toda aquela escuridão que o acompanhava onde quer que fosse, aquele ar frio desviando-lhe o humor sempre agressivo, aquela voz profunda que parecia, pelo menos quando lhe dirigia a palavra, vir de alguém tão apaixonado, começou a deixá-la curiosa por aquele lugar, aquele tipo de vida, aquele mundo. Gostava do som do seu novo nome na voz dele.

    É claro que ficou infinitamente feliz quando sua mãe, através de um Deus, foi buscá-la por não aceitar aquela separação. Mas é claro que também não pôde negar a ele seu último pedido: aceitou aquele presente que pareceu-lhe tão singelo. Saboreou-o como uma despedida eterna, um Adeus.

    Voltou à luz, ao campo, às flores. Mas já não era a mesma. Nunca mais seria a mesma e algo parecia lhe faltar, uma parte de si, como se estivesse ficado lá com ele. Descobriu pouco depois que desde então, estava condenada a viver essa eterna incompletude. Divida entre dois mundos, dois sentimentos, dois nomes e dois deveres.

    Uma parte do ano passava ao lado de sua mãe, no campo com as flores, primavera constante. A outra parte era ao lado dele que ficava, como sua esposa e devota. Uma Deusa das sombras em inverno infinito.

    Ao lhe dar aquele último presente, ele havia selado com ela um compromisso eterno de tê-la, nem que fosse apenas por uma parte do ano, desde que isso fosse para sempre. E assim se fizera, uma parte luz e outra escuridão. Em cada momento duas percepções, dois sentimentos opostos que nunca se tocam, e no entanto, nunca se abandonam. Sempre com algo a desejar, algo a doer, algo a faltar.

    Deixou a mesa, em busca do refúgio de seu quarto, dizendo estar um pouco cansada da colheita. Queria o silêncio para amenizar a voz dele que não lhe abandonava. Queria fechar os olhos um pouco, apenas para fingir estar na escuridão que o cercava, porque como sempre, ao estar na luz, no dia, no campo e nas flores, sentia falta da escuridão, sentia falta dele, do frio, do poder. E como sempre, ao estar na escuridão, na noite, na cama e nos braços dele, sentia falta da luz, das flores, da doçura.

    Menina e mulher, em função do amor e da paixão. Deusa infiel às próprias vontades, mas sempre desejada e sempre querida. Amada e adorada. Perséfone e Cora.

    E ainda assim, triste.

  6. 14° Desafio!

    14/10/2008

    Galerinha, atenção:
    O próximo tema é MULHER!
    Afinal - momento de ganhar prestígio neste blog - existe coisa mais divina que a Mulher? Para tanto, depois do último tema, este não poderia ser outro.
    Sem contar que eu sou minoria aqui, então se trata, também, de questão de sobrevivência!

    Este tema vai em homenagem às minhas avós (Maria, que já morreu, e Isabel que faz chá de hortelã e pão de casa que é uma beleza!). Vai, também, para minha mãe, Lourdes e pra patroa, Carol, que me incentiva e serve de inspiração, quando põe na cabeça que roubar pitangas é gostoso! Valeu, Carol!

    Então é isso aí!

    Tema: Mulher

    Prazo para postagem: 14/10 até 28/10
    Período para votação: 29/10 a 31/10


    Dicas: cozinha, tanque, fogão, direção perigosa, explicação sobre a regra do impedimento... Ops! falha minha! Não pode dar dica aqui? Nem fazer brincadeirinha, né? Vocês sabem que é brincadeira, não? É, sim! Juro!!!

    iiih...