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    Mostrando postagens com marcador tema IV - Fotografia. Mostrar todas as postagens
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  1. Ao abrir o depósito, se deu conta das coisas velhas que haviam ali. De longe, avistou em cima do armário, a caixa das recordações. Subiu em uma pequena cadeira velha de madeira. Sujou suas mãos. O tempo e a poeira denunciavam que há tempos aquele objeto não era tocado. Talvez por conter momentos que marcaram de forma profunda sua vida e por ter medo de revivê-los.
    No entanto, impulsionada pela vontade incontrolável de revivê-las, abriu a tampa da caixa e como se o tempo não tivesse passado viu aquela cena comum, mas carregada de significados pessoais. Era o registro da pequena menina que segurava em uma de suas mãos a velha boneca de pano. Ao seu lado, a mãe orgulhosa a observava.
    Passadas duas décadas, ainda sentia a presença da mãe da mesma forma como se constantemente fosse afagada por aquela que sempre teve a sensibilidade de compreendê-la sem esforço. Era a única que a conhecia por inteiro.
    Ao tocar outra imagem foi remetida a um imenso jardim repleto de flores, muitas flores e no meio delas um senhor sentado em uma cadeira lia sossegadamente um livro. A sua feição transmitia paz e sabedoria. Em seus lábios era possível vislumbrar um sorriso contido, disfarçado. O que será que ele estava pensando? Talvez estivesse lembrando-se de alguma aventura da neta que sempre aprontava quando ia visitá-lo.
    Nesse momento, ela fechou a caixa e começou a chorar, sem saber o porquê. Sentiu em seu peito um misto de tristeza e saudade das pessoas que já não se encontravam mais ali, os momentos, os cheiros, as sensações, os sabores. Tudo tão distante e ao mesmo tempo tão perto.
    Apenas as imagens eram o registro cabal de que aquilo não tinha sido um sonho.
    Abriu novamente a caixa e se deparou com aquela que era a imagem mais querida: a comilança, assim havia rotulado aquela foto. Em preto e branco, viam-se várias pessoas comendo, sorrindo, brincando ao redor de uma mesa farta na varanda da casa. Se não estava enganada, aquele foi um domingo propício para um almoço em família.
    Ao ver aqueles rostos familiares veio uma vontade incontrolada de sorrir ao lembrar-se da festa que era estar juntos, comungando a mesma alegria.
    Fechou a caixa. Alegre, guardou-a novamente no mesmo local. Fechou a porta do depósito ainda emocionada por saber que tudo estava ali, intocável. As emoções estavam todas guardadas na caixa de recordações e em sua memória. Podia viver feliz.
    Por Rê Lima

  2. por Medéia
    Eu nunca havia sentido falta. Mas agora que não posso mais ser fotografado, que meu corpo é transparente para um filme, eu sinto. De mais nenhuma coisa da minha vida humana eu sinto esta falta. Talvez de comer cachorro-quente e pizza, já que meu estômago agora é mero enfeite e apenas sangue me alimenta.
    Ser um imortal, sugador de sangue, tem suas vantagens: o aumento dos sentidos, da força, da velocidade e da intuição, por exemplo. Tomar sol nunca foi meu passatempo preferido, até mesmo porque sempre fui noturno. Levantar cedo não faz meu tipo.
    Mas fotografias analógicas ou digitais sempre me atraíram. A foto marca um momento bom da sua vida, porque ninguém fotografa momentos ruins (a não ser os tablóides sensacionalistas). A foto caseira tirada em festas familiares, passeios, viagens, com amigos ou conhecidos são marcos, lembranças de bons instantes (agora entendi porque alguns chamam instantâneos) que vivemos.
    E qual é a graça em ser imortal, viver séculos e séculos, viajando, conhecendo locais, participando de momentos únicos, se não puder registrar a imagem?
    Sempre ouvi dizer que uma imagem vale por mil palavras. Nunca, em toda minha vida mortal, eu percebi o que realmente isso significava. O tempo que já vivi como imortal, aquele exato minuto em que tudo aconteceu, tudo aquilo que eu quis registrar, ficará guardado apenas na minha memória, que não é mais tão falha como era antes, mas que também não terá os detalhes, as minúcias.
    Escrever é uma boa forma de registro, porém nunca fui um bom escritor e tenho certeza que não saberia fazer com que uma descrição minha fosse realmente viva, real para aquele que a lê. Isto não melhora quando nos tornamos um imortal. Se você era inepto para alguma coisa, continua sendo. Apenas o que melhora são os sentidos com os quais você já nasceu.
    Guardo da minha existência humana, todas as minhas fotografias, inclusive as digitais, tiradas com meu celular, em ângulos estranhos. Todavia, quem olhar meus álbuns, poderá se perguntar o que aconteceu de lá pra cá? E já se passaram 80 anos desde minha última fotografia.
    Somos uma das mais antigas raças sobreviventes da Terra e ainda não inventaram nada que permita a gravação de nossa imagem.
    Tão triste, não poder relembrar olhando, folhando as páginas de meu modesto álbum. Meu nascimento, meu batizado, primeiros passos, comunhão, festinhas temáticas do meu aniversário (engraçado ver estas, pois tive vampiros como tema no meu 12º aniversário), formatura, namoradas, bodas de prata de meus pais... Boas lembranças, bons momentos.
    Depois do meu “2º nascimento” já viajei o mundo, estive em lugares que minha categoria de classe média não permitia: Coliseu, pirâmides, desertos, florestas, centros comerciais e econômicos, Torre Eiffel, Corcovado. Foram tantos lugares e nenhuma recordação de que eu estive ali. Minha cara redonda e branca, quase fora de esquadro com a Torre de Londres ao fundo. Nada disto eu possuo.
    E as pessoas? Presidentes, artistas, famosos, mulheres lindas e nem mesmo posso me gabar de ter conhecido uma miss universo ou um cientista prêmio Nobel. Do que serve conhecê-los então?
    E você ainda quer ser imortal? Não poder guardar suas lembranças amareladas ou vívidas, em caixas ou álbuns, arquivos em discos virtuais, em vídeos...
    Tudo o que você gostaria de viver e recordar através das lentes já foi vivido? Não? Então viva a vida, tire fotos da sua família, de seu cachorro, peixinho ou gato, de namoradas, dos seus objetos (aquela sua pantufa velha, a cadeira preferida do seu pai), de lugares famosos ou não (seu jardim pode ser infinitamente mais confortável que o lombo de um camelo no deserto do Saara) e principalmente de você (seus olhos, nariz, boca, corpo inteiro, só rosto). E depois de viver tudo e registrar, me procure. A minha sede de sangue, você pode aplacar.... mas não minha fome de recordações.

  3. Herança

    07/05/2008

    Por: Cris Costa

    Com olhos lacrimejantes, deixei a imensa sala e fui até o jardim. Retirei do bolso da jaqueta a velha fotografia e passei a admirar. Na foto, uma jovem de olhos grandes e claros; cabelos fartos e longos; pele aveludada e beleza exuberante; sorria alegremente.

    Ela segurava um livro e um pequeno arranjo de flores. A fotografia preto e branco, agora já era um tanto amarelada, no entanto, o colorido vestido ainda chamava atenção.

    O sorriso amplo e espontâneo era capaz de iluminar o mundo todo. Os olhos cintilantes demonstravam que naquela alma só existiam sentimentos puros e alegres. Nunca vi aquela mulher demonstrar cinismo, hipocrisia ou egoísmo.

    Sempre foi dona de um verdadeiro coração puro, angelical. Era uma mulher realmente bela.

    Com cuidado toquei novamente a fotografia, com medo que ela se desintegrasse. Aquela mulher da foto que eu tanto amava e que me ensinou muito, agora iria viver somente em minha memória. Em minhas melhores lembranças.

    Aquela bela jovem viveu sua vida da forma mais verdadeira. Ela amadureceu; conheceu seu amor; se casou; teve três filhos; acompanhou o sucesso de cada um; vibrou com o nascimento de cada um dos cinco netos e depois sofreu com a partida de seu único e grande amor.

    Sem arrependimentos, ela sempre viveu a vida intensamente, valorizando cada segundo, pois como ela sempre me disse: “cada segundo da Vida é sempre único, por isso faça bom uso dele”.

    Agora que ela repousa no caixão postado na imensa sala, não é mais tão jovem; afinal os anos passaram e levaram a sua juventude, contudo, a verdadeira beleza nunca a abandonou.

    Alguns parentes, amigos e conhecidos choram; outros comentam suas grandes façanhas; outros estão lá para agradar um outro alguém, pois não a conheciam diretamente. Velórios são todos iguais.

    Com certeza amanhã ou depois, todos os herdeiros se reunirão para dividir os seus pertences e logo ela será somente uma lembrança para eles. Algumas pessoas tendem a se esquecer das coisas realmente importantes.

    Em seu testamento ficou determinado que todos os imóveis e bens materiais poderão ser divididos entre seus três filhos e netos, exceto um item ficou reservado para mim.

    Sou a única beneficiária de seu verdadeiro legado. Ela me deixou toda a sua maior riqueza. Riqueza que nunca será perdida ou roubada, e, com certeza não causará discórdia na família. Deixou-me todos os seus livros.

    Para ela, os livros sempre foram sagrados e mágicos. Sagrados, pois guardam em si um pouquinho da alma de quem os escreveu e, absorve um pouquinho da de cada pessoa que os lê. Mágicos porque são chaves secretas que nos transportam para outros mundos sem que ninguém perceba.

    Ela foi e sempre será a mulher mais incrível que já conheci.

    Naquela velha fotografia, tirada a mais de setenta anos, minha avó já sabia o que me deixaria como herança, e, ela realmente conseguiu me fazer a pessoa mais rica do mundo.

  4. Desafio IV

    29/04/2008

    Tema da vez: Fotografia

    Prazo para postagem: 29/04 à 13/05

    Período de votação: 14/05 à 16/05


    "Se tu vieres
    Toda em verso
    Juro que eu irei
    todo em prosa"
    Uby Oliveira