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  1. Passagem

    24/03/2009

    Talvez fosse o seu último aniversário.
    Um pensamento pressagioso rondava sua mente, lembrando-a da importância de compartilhar com os seus a alegria de viver.
    Queria demonstrar o seu carinho para com todos aqueles que fizeram de sua vida uma linda e bela história.
    E foi assim, ao som daquela voz tão familiar, que o dia começou para ela.
    Uma voz infantil, rouca, anunciava o raiar de um novo dia.
    Ao som daquelas palavras, ela despertou: "Hoje é o seu aniversário". Parabéns!!
    Sorriu ao ver a linda criança de olhos arregalados que a fitava curiosa.
    Olhou para janela. Manhã de Sol. "Ele veio comemorar comigo", pensou.
    A menina esperta e espevitada puxou o cobertor e pegou em sua mão.
    "Vamos aproveitar o nosso dia....Depressa!!" - disse a pequena.
    A criança com todo o seu vigor desconhecia os efeitos do tempo no corpo de uma mulher de oitenta e dois anos.
    Já não possuia a mesma agilidade e destreza do frescor dos seus nove anos de idade.
    Sentia, penosamente, o passar..do...Tempo.
    Foi quando a porta do quarto abriu. Um jovem rapaz abriu os braços como se quisesse envolvê-la.
    "Então é você?!!?. O Tempo" - balbuciou sem acreditar.
    "Venha. Aqui tudo é relativo. Passado, presente e futuro se misturam" - disse o jovem.
    "Vamos" - disse a pequena, sem dar tempo para que pudesse pensar ou refletir sobre tudo aquilo.
    Quando deu por si já estava em pé, ainda trajada de camisola, segurando a mão da criança a caminho da porta que dava para algum lugar que não sabia qual era.
    Sem perceber, e dar-se conta de quanto tempo levara para atravessar o vão que se abria diante daquela porta, já estava do lado de fora da casa.
    Estranhamente não se sentia pertencer àquele lugar. Era como se nunca estivesse estado ali.
    Buscou por seus novos amigos. Mas eles também não estavam ao seu lado.
    "Para onde teriam ido??" - pensou.
    "Procura por mim, senhora?" - indagou a jovem de olhos brilhantes e arregalados. Sua pele reluzente transbordava juventude. Uma bela moça, concluiu.
    "A criança....a menina....aonde ela foi?"
    "Que menina? Não sei do que falas, senhora" observou a jovem. "Mas, não importa. Venha conhecer o meu jardim" disse ela.
    Aceitou o seu convite e seguiu-a por entre frondosas árvores até deparar-se com um belo jardim de girassóis.
    Milhares deles dançavam ao vento produzindo reflexos multicoloridos em reverência ao Sol.
    E no centro do jardim, a bela moça continuamente acenava para que ela a acompanhasse. Mas, os seus pequenos passos não conseguiam alcançá-la.Cansada parou para descansar.
    Foi quando, sem perceber, se perdeu da sua companhia.
    Dormiu em meio ao jardim. E uma brisa leve soprou em seu rosto.
    E viu uma jovem senhora, de olhar materno, passar a mão em sua testa.
    Já não sabia se estava acordada. Sentia que já não era importante sabê-lo.
    "Que bom que você veio" - disse a jovem senhora de olhar vivo.
    "Estranho como ela lembrava a menina espevitada e a bela moça" - pensou consigo.
    "Como você se parece comigo!" - disse em voz alta à jovem senhora.
    Ela apenas sorriu e beijou-lhe a face e pausadamente sussurou em seu ouvido:
    "Durma. Descanse. Estaremos sempre juntas. Todas nós."

    Por Rê Lima

  2. 6 comentários:

    1. Cris disse...

      Rê,
      Adorei a abordagem do tema.
      A visão da vida da personagem, menina, moça e mulher, como se fosse num piscar de olhos foi sensacional. O tempo realmente instiga. E o final...a doce espera do reencontro (um belo disfarce para a morte)
      Lindo!!!
      Parabéns!

    2. lili disse...

      Ai que lindo! Me emocionei...
      As palavras da Cris no comentário acima, revela justamente o que eu achei do texto. E acredito que a morte é apenas o recomeço...
      Parabéns Rê!!

    3. Anônimo disse...

      Sim, tudo muito bonito e singelo. Uma forma doce de abordar um assunto tantas vezes pesado.
      Gostei muito :D
      Parabéns,
      Ly

    4. Lori disse...

      Achei fascinante o modo como descreveu essa passagem da vida a morte...Parabéns..bjus Elis

    5. Robson Ribeiro disse...

      Rê, o que posso dizer? Mágico o seu texto...

      Beijos!

    6. Vivi disse...

      Rê, emocionante. Adorei a forma como conduziu a história e trabalhou o tema de forma incomun, original. Lindo! Você demonstrou em narrativa o que tentei dizer em meu texto. Muito bom!

      Beijos
      Vivi