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  1. O Peregrino

    12/08/2009

    por Medéia
    Um dia ele apareceu na pequena cidade do interior no sul do país. Era um homem com idade indefinida, podia ter 35, talvez 45, e até mesmo 55. A barba comprida como os seus cabelos não permitiam ver as linhas do rosto. As roupas não eram farrapos, como se esperaria de um andarilho. Eram roupas boas, não caras, mas bastante usadas. Uma mochila grande nas costas era tudo o que ele tinha.

    Pediu abrigo em uma pousada na cidade. O quarto mais barato foi pago adiantado para duas semanas de estadia. Apesar do olhar de estranheza do dono da pousada no balcão, ele apenas sorriu amigavelmente, agradeceu e subiu para seu quarto.

    Quando desceu as escadas, algumas horas depois, parecia outra pessoa. Cabelo cortado, barba feita, banho tomado e roupas limpas. Perguntou sobre algum lugar para jantar, queria comida boa, caseira e barata. O dono da pousada lhe indicou o restaurante da dona Mirtes, duas quadras dali.

    Os dias se passaram assim, o homem, que agora todos sabiam se chamar Marcos, passava em todos os lugares da pequena cidade. Almoçava em algum lugar, comprava algumas coisas em outros, passeava pela praça, tomava sol na beira do rio e caminhava por todas as ruas, do centro aos bairros mais afastados. Conversava com todas as pessoas. Aliás, ouvia. Ouvia muito mais do que falava. As pessoas não sabiam quase nada sobre ele, mas a cada dia ele sabia mais das pessoas que viviam ali.

    O que sabiam dele, além do seu primeiro nome, era que ele já estava há alguns anos viajando pelo interior do estado. De cidadezinha em cidadezinha. Nunca ficando muito tempo em nenhuma. Gostava de coisas simples e tinha sempre dinheiro para pagar suas contas. Ninguém sabia de onde provinha seu sustento, pois ele não pediu emprego em local algum, mas sabiam que ele ia ao banco da cidade sacar dinheiro.
    Alguns diziam que era um milionário excêntrico que resolveu viajar pelo mundo. Outros diziam que ele era uma vítima: tinha perdido toda sua família em um acidente de carro e resolveu virar andarilho. Mas ninguém sabia nada sobre a real história de Marcos.

    Parecia uma pessoa boa e muitas vezes, só ouvindo, auxiliou alguns dos moradores. Deu conselhos bons a dona Mirtes quando ela lhe contou que seu restaurante não estava bem financeiramente. Mostrou algumas técnicas para o farmacêutico organizar melhor suas prateleiras. E até na pousada, introduziu algumas mudanças que tornaram o local mais aconchegante. Contou fábulas para os meninos e meninas que corriam nas ruas e alimentou os cães que dormiam na praça.
    Em poucas semanas a pequena e desconfiada cidade tornou-se mais acolhedora e feliz. Ninguém nem mesmo tinha percebido, mas Marcos tinha se infiltrado lentamente e alterado a rotina de todos de alguma maneira. Todos agora eram pessoas melhores e viviam mais contentes.

    Então, um certo dia, logo ao raiar do sol, quando poucas pessoas ainda movimentavam o centro da cidade (apenas o padeiro, o jornaleiro e alguns garis), ele colocou sua mochila nas costas, pagou o que ainda devia na pousada e partiu. Não deixou dívidas, apenas pessoas que sentiram sua falta. Andou pela estrada que deixava a cidade sem olhar para trás. Alguns cachorros ainda o seguiram um bom pedaço, enquanto os poucos moradores que estavam acordados podiam ver seus passos indo.

    Cada vez mais distante ele se foi, caminhando em direção a outro lugar que dele precisasse.

  2. 5 comentários:

    1. Vivi disse...

      Peregrinar...gostei da apropriação do termo sinônimo. Achei legal o conceito de criação do personagem que encara o estranho, o alheio de uma maneira tão relativista a ponto de transformar a realidade dos lugares por onde passa. Boa idéia!

      Beijos

    2. Cris disse...

      Medéia,

      O personagem é realemnte enigmático...gentil, caridoso e prestativo. O mundo precisa de vários "Marcos".
      Lindo!! Adorei...

      Parabéns!!
      Bjs

    3. Unknown disse...

      Muito bom!
      Me lembrou mesmo alguém que conheci, mas era uma mulher.
      Parabéns!

    4. disse...

      Medéia,

      Interessante a história. As pessoas entram e saem repentinamente de nossas vidas mais sempre deixam algo. O texto abordou o tema com um enfoque distinto dos demais. Interessante o final. Dá uma idéia de continuidade. O personagem que continuará a sua viagem por outros caminhos, outros lugares.
      Parabéns.
      Bjs...Rê

    5. Falei mais disso no topico de votação, mas gostei do personagem. Mesmo que a gente não consiga conhecer mto ele. até o imagino chegando a outra cidade, noutra época, usando outro nome, inclusive. E depois indo embora.