Rss Feed
  1. Procura Binária

    07/06/2011

    Vazio. Nada se comparava a andar quilômetros e não encontrar ninguém.
    Já fazia muitas horas que ela caminhava e nem mesmo insetos esvoaçavam ao seu redor. As casas com as portas abertas pareciam convidar a entrar, mas ela já tinha percebido, depois de entrar em algumas dezenas, que ninguém estava lá dentro. Em toda parte parecia que as pessoas tinham resolvido ir embora deixando para trás tudo exatamente como estava. Geladeiras abertas, torneiras escorrendo água, máquinas ligadas, tudo continuava ali como se o responsável só tivesse ido ao banheiro ou até outro lugar pegar algo. Porém, ninguém voltava.
    Por onde andam todos? – ela se perguntava no início. Agora não se perguntava mais, pois cansara de conversar mentalmente com ela mesma. O cenário era desolador, como em um filme de ficção científica onde todos tivessem sido abduzidos e só haviam deixado ela para trás. Nem mesmo cachorros e gatos se viam nas esquinas e muros. Só ela fazia um ruído humano ou animal nas ruas.
    O sol já havia se posto bem no alto e agora abaixava lentamente, indicando a passagem da tarde. Ela não tinha pressa. Procurava alguém, qualquer alguém que estivesse na mesma situação que ela, desesperada por uma companhia. Quem sabe ela não era Eva a espera de um Adão para povoar a nova Terra? Talvez fosse um cataclisma que deixara tudo assim. Talvez fosse apenas um sonho tolo e logo ela acordaria, mas tudo parecia muito real.
    Quando pegou a estrada em direção a cidade vizinha o sol principiou a baixar no horizonte, mas ela só queria chegar lá, para descobrir se outras cidades passavam pela mesma situação. Desconfiava que sim, pois já tentara ligar para parentes e ninguém atendera. O calor no asfalto mantinha aquela sensação ainda mais surreal. Foi então que ela viu! No final da comprida reta uma sombra com formato humano.
    Talvez fosse apenas ilusão de ótica, por isto não correu. Apenas se manteve caminhando enquanto o sol dava lugar à lua e o vulto se aproximava cada vez mais. Caminhavam um em direção ao outro. Quanto mais se aproximava, mais nítido ficava o vulto. Aos poucos pode ver os cabelos negros e curtos, a calça jeans e a camiseta preta. Mas os detalhes do rosto ainda estavam ocultos pelas sombras da noite que chegava.
    Quando estavam a menos de 5 metros um do outro ela conseguiu enxergá-lo bem. Ele a olhava com a mesma expectativa que havia em seu olhar. Dois metros agora os separavam e eles já podiam ver detalhes: o cabelo crespo e loiro dela, os olhos castanhos claros dele, a sapatilha vermelha nos pés dela, os tênis com amortecedor nos pés dele, o vestido médio que envolviam as pernas dela em uma explosão de cores de verão. Eles agora podiam se tocar, mas nem mesmo trocavam palavras. Somente se olhavam como se enxergassem assombrações e não seres humanos. Quanto tempo eles estavam à procura de outra pessoa? Apenas uma bastava.
    E ali estavam eles. 
    Apenas dois em um mundo deserto e livre.

  2. 3 comentários:

    1. Vivi disse...

      Bacanudo!Pura filosofia. Existir e coexistir. Lembro só de Eu e Tu do Martin Buber.

      O mundo do ISSO é coerente no espaço e no tempo.
      O mundo do TU não tem coerência nem no espaço nem no tempo.
      Cada TU, após o término do evento da relação deve necessariamente se transformar em ISSO.
      Cada ISSO pode, se entrar no evento da relação, tornar-se um TU.
      (…)
      E com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem.

      Beijocas

    2. Lyani disse...

      Medéia seu texto ficou super interessante! Conceituou bem o dois, e trouxe um fundo realmente filosófico como disse a Vivi!
      Seu texto conseguiu me fazer sentir desespero de me imaginar num deserto, sem ninguém, com casas vazias... aterrador ser um no meio do nada. Dois já é mais suportável!
      Parabéns :)
      Bjokas

    3. disse...

      Devo concordar que o texto nos faz pensar que caminhamos mesmo sem saber em direção a algo ou alguém que subitamente topa o nosso caminho.
      Novamente a matemática do um mais um.
      Parabéns pelo texto.
      Bjs. Rê