Pé ante pé, ele vai entrando em
casa. Mais furtivo que um ladrão. A dobradiça da porta nem mesmo fez ruído e seus sapatos não tinham aqueles solados de borracha barulhentos. Estava
realmente silencioso e orgulhoso disto. No outro dia, mentiria a hora e ficaria
tudo bem, afinal ela tinha um sono pesado e dificilmente acordava à noite.
Resolveu tirar a roupa na sala
ainda. Levaria na mão o sapato e a roupa e entraria de cueca sobre as cobertas.
Assim, se ela acordasse, poderia dizer que tinha ido ao banheiro e fingir que
estava em casa há mais tempo.
Enquanto desabotoava a camisa ia
mentalmente repassando sua história. O chefe pediu para trabalhar naquele
negócio novo até mais tarde, depois tinham saído para tomar umas cervejas e
comemorar os novos e ricos clientes.
Estava inventando mentalmente os
detalhes enquanto abria o zíper da calça quando sentiu uma presença na sala, no
escuro. Seu coração deu um salto. Quem seria? Se fosse ela, já teria se
acusado. Podia ser um ladrão. Seu coração batia tão alto que tinha a impressão
que todos ouviam na quadra inteira. Um suor frio brotou em seu corpo e a
adrenalina corria por suas veias.
Não ouvia barulho algum, mas
sentia uma presença cada vez mais perto. Droga de cortinas corta-luz que não
permitiam nem mesmo uma fresta de luz da rua para que pudesse ver. A escuridão
tão bem-vinda antes agora o aterrorizava. Seus membros estavam paralisados e
seu maior medo era que qualquer som que fizesse chamasse a atenção do ladrão.
Longos minutos (segundos ou
horas) se passaram e como não ouviu nada, começou a achar que era sua
imaginação. Ninguém estava ali. Ninguém estava se acusando fazendo ruídos ou
ligando as luzes. Com a calça no meio das coxas e sem conseguir se mexer
direito, tentou ir até o corredor, mas suas pernas não obedeciam. Uma câimbra começou
a subir pela panturrilha direita e teve que se morder para não gritar de dor.
Arrastando a perna milímetro por
milímetro, resolveu se arriscar em direção ao corredor. Não via nada, não ouvia
nada, a dor era intensa e estava se espalhando pelo corpo. Já nem mesmo sabia o
que estava doendo. Quando chegou ao corredor, sentiu novamente a presença.
Parecia que alguém respirava em sua nuca. Meu Deus! Seria um fenômeno
paranormal? Nunca havia acredito nestas coisas, mas não tinha explicação para o
que estava ocorrendo.
Uma presença sinistra e
silenciosa parecia segui-lo e seu quarto era o refúgio, mas não conseguia
chegar rapidamente lá. Se arrastando, encostado nas paredes a dor se espalhou
tanto que subia pelo seu braço. O que estava acontecendo? Quando sentiu o marco
da porta um alívio percorreu suas costas. Apesar da dor que não parava tinha
certeza que agora era só chegar a cama que tudo terminaria.
Quando colocou um pé para dentro
do quarto ouviu claramente um “Boooo” em seu ouvido. E só! Caiu no chão, a dor
em seu braço explodindo no peito. Barulho, gritos, luzes fortes e ali estava
ela olhando horrorizada para ele, caído no chão. Antes de fechar
definitivamente os olhos ele ainda viu passar pelos olhos dela um ar de alívio
e outro de satisfação.
Tenso...Não deu nem tempo de dizer "Não é isso que você está pensando"...rs
Reconheci o seu estilo já no primeiro parágrafo. Lembrou-me a Medéia das antiga...rs
Gostei do clima de mistério a permear a ação do personagem. Fez-me seguir curiosa até o fim. A propósito, gostei do desfecho, pois você colocou certo humor cruel à máxima que todo mundo já está cansado de ouvir, a saber: que a mentira tem perna curta. Mas o enfoque não fica só na curta duração de uma mentira. O que nos leva a inferência de que se pode calcular a mentira a ser dita, mas não se controla as consequências dela resultante. Bacana esse viés! Beijocas