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  1. Fugas a vida toda

    21/07/2013

    Ele escapou da obrigação de ir à missa de domingo e escapou do dever de acreditar no que não se pode ver. No entanto, depois não havia mais Deus para lhe socorrer nos momentos de aflição.

    Em seguida, escapou do curso chato na universidade bambambam, cheio de números. Mas perdeu chances de um dinheiro melhor para o futuro. 

    Escapou da garota com quem havia se mudado. Mas voltou para a casa do pai e da mãe. E perdeu os filhotes, e a sensação de ser papai.

    Escapou de seu país. Mas voltou para acabar a faculdade. Escapou de novo. E de novo voltou, porque o bilhete que encontrou era de ida e volta obrigatória. 

    Escapou da obrigação de ir todo dia trabalhar naquela empresa, a mais importante da sua carreira. Mas perdeu as viagens turístico-profissionais. E seu dinheiro aos poucos acabou. Assim como o prestígio de ser alguém.

    Escapou amedrontado da disciplina e ousadia necessárias à incerta vida artística. E perdeu a razão de ser da fuga profissional. 

    Escapou da namorada. E entrou em desespero. 

    Com tantas fugas, sempre tão tardias, o tempo foi lhe escapando. Assim como a confiança própria da juventude. E ficou sem saber quem era e que caminho percorrer.

    Restou-lhe refugiar-se no Reino do Sono, entre as cidades do Inconsciente e dos Sonhos. Ainda que todo dia desmoronem, desaguando no incômodo rio da realidade. Até que parta para a fuga definitiva, quando nenhuma outra fuga será mais necessária.

  2. 1 comentários:

    1. Vivi disse...

      Profundo e filosófico. Gostei da sua nova faceta, Maurício. É um tanto angustiante e triste acompanhar esse percurso de evasão de si mesmo. Mas, essa não é a história de muitos? Aliás, gostei da escolha por esse fugitivo sem nome, porque torna a empatia possível. Ainda que tenhamos bem definido o gênero do personagem, vejo que ele é multidão. A multidão de certos sentires tão atuais nessa sociedade auto-indulgente. A meu ver, esse texto pode muito bem se passar por espelho.

      Bjs!