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  1. “Porque eu?” a pergunta ressoou em minha mente várias vezes naquela manhã de segunda-feira. Segundas são dias aborrecidos.

    Sem trégua, meus pensamentos insistiam em trazer à tona questionamentos como “Porque não o cara do lado que, a meu ver, parece não se importar com essas situações desagradáveis que nos acometem logo cedo à caminho do trabalho?".

    O que poderia deixar um sujeito profundamente irritado e consternado, senão um domingo seguido de uma segunda? A impossibilidade de se vingar da alma abençoada que premeditadamente “esquece” um maldito chiclete grudado na cadeira do ônibus. É o tipo de acontecimento que irrita qualquer um.

    O chiclete grudado naquela quarta fileira de cadeiras, do lado esquerdo, perto da janela, estava reservado para o próximo idiota que haveria de escolher aquele lugar, ou seja, eu.

    O ônibus para e entro. Ainda com sono, desapercebido, procuro o primeiro assento, contente por ter a possibilidade de ir sentado.

    Sem saber que naquele exato momento teria início o tormento que me faria indagar para mim mesmo sobre os porquês daquela situação desagradável.

    Thomas Adams Jr ficou rico com a idéia de comercializar um confeito para ser mastigado e não engolido. Quisera eu engolir a raiva que estava sentido naquele momento. Olho para aquela coisa disforme grudada na calça: sem cor, mastigado, mascado até a exaustão.

    Imagino quem haveria mordido aquilo.

    Por ser um ecossistema complexo que possui centenas de bactérias, chego ao ponto de pensar que tipo de boca teria abrigado aquela goma de látex sem sabor?

    É impossível evitar a palavra NOJO.

    Respiro fundo. Tento manter o controle da situação. "Que mal há nisso?" Afinal, todo mundo já deve ter tido um chiclete grudado em algum lugar para chamar de seu.

    Pego o papel que encontro jogado dentro da pasta na tentativa de retirar a goma de mascar da calça. A operação não é um sucesso, mas consigo disfarçar um pouco o estrago causado pelo confeito.

    O ônibus continua o seu trajeto. Olho ao redor. Os passageiros todos aparentemente normais seguem para os seus compromissos.

    Uns dormem, outros leem alguma coisa ou simplesmente olham pela janela enquanto esperam o momento de chegarem aos seus destinos.

    Eu não me dou esse prazer. Poderia me deter na leitura da revista de automóveis reservada para o meu passeio matinal de ônibus, porém encontro-me envolto com o dilema do chiclete.

    Percebo que uma senhora me observa já há algum tempo. Sua maneira de olhar revela desconfiança para com a minha pessoa, sinto que me acha esquisito.

    Devo concordar, sou esquisito.

    Um sujeito com uma goma de mascar grudado na calça em plena segunda-feira é, no mínimo, exótico. Uma atração, eu diria. Já tinha platéia no ônibus.

    Sem muita paciência miro com olhos de desagrado a senhora que se ocupa com a vida alheia. Noto que ela desvia o olhar percebendo a minha impaciência.

    O ônibus para e entra um desses vendedores que costumam oferecer os mais variados itens dentro do ônibus: de mel de abelha a canetas. Uma verdadeira feira ambulante.

    Distraído, não observo quando o vendedor, um garoto com seus 15 anos de idade, se aproxima com uma caixa e pergunta: "Chiclé por um real, vai aí doutor?".

    Nesse momento, sinto que todas as entranhas de meu corpo se retraem. Olho para o jovem rapaz e emito um grunhido, quase inaudível. Nem eu entendi o que disse. Quanto ao rapaz, penso que entendeu, pois não o vi mais.

    A viagem continua e minha parada se aproxima. Levanto. Dou o sinal e percebo que a senhora continua a me observar.

    Sigo o seu olhar e vejo que se detém na marca nada discreta que se encontra em minha calça.

    Desafio o seu olhar. Confiante, ela diz: "Gelo. Coloque o gelo em um saco plástico e esfregue contra o chiclete".

    Envergonhado, agradeço. A porta abre, saio aliviado.

    "Segundas-feiras e chicletes até que combinam", penso eu.

    Olho para a marca em minha calça e continuo o meu caminho.
    Por Rê Lima

  2. 4 comentários:

    1. o mais interessante pra mim foi a relação do narrador com a mulher q ficava encarando ele. A agressividade dele como resposta e no final revelando a intenção dela de ajudar. Mas se o foco fosse esse, a atmosfera acho que poderia ser construída de forma um pouco mais densa, pra destacar e enfatizar a cena.

    2. Vivi disse...

      Eu gostei do tom e do ritmo da narrativa. Inclusive, o diferencial seja a presença da ironia, da empáfia injustificada do personagem principal. Daí o exagero caracterizado na figura do narrador.
      Bacana!

    3. Anônimo disse...

      Gostei muito Rê, principalmente por ter tido uma idéia muito original, eu jamais teria pensado em algo do tipo. E adorei o narrador, e a senhora que no final só queria ajudar. Muibo bom mesmo :)
      Bjos

    4. Cris disse...

      Rê.
      Adorei o seu texto. Divertido e muito criativo.
      Quantas vezes não fomos vítimas do chiclete...ele é um vilão e tanto, acaba com o dia de qualquer um.
      Parabéns!