Encontrei no espirro uma forma de me livrar de tudo.
Pôr para fora o que me contamina,
O que me mantém doente e infeliz.
E o chamei de amigo.
Espirrar é uma forma de não ver,
Pois não conseguimos manter os olhos abertos.
Assim não precisamos enxergar tudo .
De olhos fechados, espirrando, podemos ser felizes.
Por alguns breves e rápidos momentos,
Contrair os músculos do rosto, da garganta, abdominais e
diafragma.
Eliminar os problemas através das pequenas gotas,
Sumir da realidade.
Os espirros me mantêm afastada dos problemas cotidianos,
Permitem-me sonhar com outra realidade.
Ainda assim as pessoas me desejam saúde.
Uma saúde que não quero, não desejo.
Corrompida pelo vício ,
Procuro formas cada vez mais insanas de espirrar,
Longe dos olhares comuns,
Que não podem me compreender.
Difícil analisar o seu texto, Medéia. Achei a ideia bem inusitada.
De primeira, notei uma voz poética bastante desconcertante. É perturbador "ouvi-la" falar.
O espirro ao mesmo tempo que é prazer soa também como fuga.E de fato é um vício. Engraçado. Isso me fez lembrar a comédia escrita por Machado de Assis: O bote de rapé. Em dado momento da peça de Machado se diz "o vício do rapé é um vício circunspecto". Logo, botei em paralelo com o verso do seu poema "Longe dos olhares comuns,
Que não podem me compreender". A ideia de usar a reserva como proteção está bem assinalada.
Confesso que fiquei assustada com a linha "Procuro formas cada vez mais insanas de espirrar". Imagino o que pode haver de artifício para provocar espirros. Já ouvi dizer de gente que coloca caneta no nariz! E pensar que antigamente provocar espirros era um costume socialmente aceito.
Enfim, a voz poética é doentia, insana. Que medo! O seu texto alcança uma linha nonsense como o de Machado. No texto dele, o protagonista lança as justificativas mais estranhas para validar o vício. Até o Nariz dele tem voz própria sendo um personagem com texto e rubrica. Só que lá, é possível rir do sofrimento do personagem. Ao contrário do seu poema em que extraio a conclusão de que a personagem é comandada pelo nariz, isto é, por um vício bobo, mas destrutor das relações. Haja vista que o fato de chamar o espirro de amigo é um sinalizador da solidão dessa mulher. O que torna tudo muito triste.
Mais um texto em que reconheço uma escrita diferente do que você já fez aqui. Gosto de vê-la nesse interesse de testar novos caminhos. E o resultado foi muito bom.
Bjs!
Que texto curioso, rs. Uma espécie de dissertação, uma análise, desabafo, explicação fantasiosa sobre a vida, valendo-se do espirro como artifício...
De fato, concordo com muito do que Vivi já falou...
O que eu posso acrescentar é que o espirro parece aqui estar sendo comparado a uma espécie de droga, como maconha, cigarro. Quem sabe até a televisão, ou a internet, Facebook, quando usados indevidamente, com exagero e sem senso crítico (como eu mesmo costumo fazer, por exagerar demais no tempo de internet...).
O último trecho me fez imaginar até uma possível comparação com uma pessoa viciada em sexo... com várias posições a explorar... hahaha
Que tal? Era por aí? :D
Era por aí sim, Maurício... mas confesso que o vício em sexo não me passou pela cabeça... eh eh eh
Adorei o trecho "Ainda assim as pessoas me desejam saúde. Uma saúde que não quero, não desejo". Achei muito forte e reforçou a ideia do vício, de se entregar a um prazer (por mais estranho que seja) e não querer sair dele. É muito real isso, existem tantas pessoas que se viciam em doenças ou sentimentos ruins, e que não querem de fato solucionar os próprios problemas. Afinal, é mais fácil reclamar do que ter que encarar os problemas cotidianos.
Achei interessante como a ideia do espirro me parecia libertadora no início e aos poucos foi se tornando doentia e perturbadora.
(se esse comentário aparecer duas vezes, é porque deu erro quando eu tentei comentar antes)