A maior parte das pessoas nasce
no melhor estilo “São Tomé” de ser: é ver para crer. Mas aquela menina não foi
assim. Ela nem mesmo via muito bem com seus românticos olhos míopes, atrás das
grossas lentes de vidro. E sempre foi muito arredia, nem mesmo permitindo o
toque da pele com a pele. Não gostava de texturas. Braile não era para ela.
Contudo para compensar estes
sentidos, nasceu com um olfato apuradíssimo e podia dizer coisas sobre as
pessoas que só um vidente diria, apenas cheirando-as. Era uma virtude que
escondia muito bem, pois não queria ser vista como uma aberração.
Podia dizer se uma pessoa estava
triste ou alegre, somente pelo suave cheiro de mofo ou do orvalho da floresta,
que sentia ao se aproximar. Doentes tinham cheiros pútridos conforme seu grau
de doença. E mulheres grávidas cheiravam a talco. E tudo isto, ela podia
cheirar antes mesmo que a própria pessoa soubesse da sua condição.
Evitava então os cheiros
enjoativos e sulfurosos e buscava estar próxima das pessoas perfumadas por
flores e ervas aromáticas. Seu “sexto sentido”, era na verdade um dos cinco,
mas permitia saber muito sobre as pessoas antes mesmo de trocar um oi com elas.
E aquele dia de sol, na praça da
cidade, estava apenas começando e ela já tinha cheirado entre os ciclistas,
corredores e apenas passantes, uma traição, duas doenças sérias, meia dúzia de
intrigas e uma ou outra euforia.
Foi quando sentiu um cheiro que
nunca havia sentido antes. Nada minimamente parecido. E ela nem mesmo sabia
dizer se ele era bom ou ruim. Era um cheiro indefinido de madeira, compostagem
e folhas secas. Tinha alguns toques adasmacados e alguma coisa orgânica que ela
não podia identificar. Nunca antes havia acontecido de não identificar o
cheiro, ou de não saber o que o cheiro representava.
Procurou o dono ou dona do odor
entre as pessoas na praça e o identificou a uma pequena distância conversando
com um senhor que cheirava a sabedoria. Não era da cidade, pois aquele era um
pequeno local e ela teria sentido seu cheiro antes. Quanto mais aspirava o
cheiro que provinha do homem, mais ela sentia-se confusa e indecisa sobre o que
pensar.
O senhor cheirando a sabedoria,
que trabalhava na biblioteca, estava apontando para ela neste exato momento. E
ele a estava olhando! Meu Deus! O que fazer? Não havia como se esconder então
ficou apenas esperando e rezando para que conseguisse perceber o que exatamente
representava aquele aroma.
Quanto mais próximo, mais
indefinido o odor ficava e, de repente, todos os cheiros do local pareciam ter
sumido. Só o cheiro dele impregnava suas narinas. Ele estava parado na sua
frente e seus lábios se mexiam, mas ela não ouvia nada. Só sentia o perfume que
vinha dele. E então ela descobriu que fragrância era aquela e soube, que nunca
mais precisaria sentir outro cheiro e que as texturas agora fariam parte de sua
vida também.
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