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  1. Indefinido

    01/06/2013

    A maior parte das pessoas nasce no melhor estilo “São Tomé” de ser: é ver para crer. Mas aquela menina não foi assim. Ela nem mesmo via muito bem com seus românticos olhos míopes, atrás das grossas lentes de vidro. E sempre foi muito arredia, nem mesmo permitindo o toque da pele com a pele. Não gostava de texturas. Braile não era para ela.

    Contudo para compensar estes sentidos, nasceu com um olfato apuradíssimo e podia dizer coisas sobre as pessoas que só um vidente diria, apenas cheirando-as. Era uma virtude que escondia muito bem, pois não queria ser vista como uma aberração.

    Podia dizer se uma pessoa estava triste ou alegre, somente pelo suave cheiro de mofo ou do orvalho da floresta, que sentia ao se aproximar. Doentes tinham cheiros pútridos conforme seu grau de doença. E mulheres grávidas cheiravam a talco. E tudo isto, ela podia cheirar antes mesmo que a própria pessoa soubesse da sua condição.

    Evitava então os cheiros enjoativos e sulfurosos e buscava estar próxima das pessoas perfumadas por flores e ervas aromáticas. Seu “sexto sentido”, era na verdade um dos cinco, mas permitia saber muito sobre as pessoas antes mesmo de trocar um oi com elas.

    E aquele dia de sol, na praça da cidade, estava apenas começando e ela já tinha cheirado entre os ciclistas, corredores e apenas passantes, uma traição, duas doenças sérias, meia dúzia de intrigas e uma ou outra euforia.

    Foi quando sentiu um cheiro que nunca havia sentido antes. Nada minimamente parecido. E ela nem mesmo sabia dizer se ele era bom ou ruim. Era um cheiro indefinido de madeira, compostagem e folhas secas. Tinha alguns toques adasmacados e alguma coisa orgânica que ela não podia identificar. Nunca antes havia acontecido de não identificar o cheiro, ou de não saber o que o cheiro representava.

    Procurou o dono ou dona do odor entre as pessoas na praça e o identificou a uma pequena distância conversando com um senhor que cheirava a sabedoria. Não era da cidade, pois aquele era um pequeno local e ela teria sentido seu cheiro antes. Quanto mais aspirava o cheiro que provinha do homem, mais ela sentia-se confusa e indecisa sobre o que pensar.

    O senhor cheirando a sabedoria, que trabalhava na biblioteca, estava apontando para ela neste exato momento. E ele a estava olhando! Meu Deus! O que fazer? Não havia como se esconder então ficou apenas esperando e rezando para que conseguisse perceber o que exatamente representava aquele aroma.

    Quanto mais próximo, mais indefinido o odor ficava e, de repente, todos os cheiros do local pareciam ter sumido. Só o cheiro dele impregnava suas narinas. Ele estava parado na sua frente e seus lábios se mexiam, mas ela não ouvia nada. Só sentia o perfume que vinha dele. E então ela descobriu que fragrância era aquela e soube, que nunca mais precisaria sentir outro cheiro e que as texturas agora fariam parte de sua vida também.