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  1. por Medéia
    Desde seu nascimento Marco era um garoto tímido e quieto. Sua mãe sempre dizia que ele nunca a havia incomodado chorando noites a fio, ou saindo com garotos para bebedeiras que terminassem em vômitos e horas de inconsciência.

    Sua timidez lhe empurrou para os estudos. A leitura era um prazer que não dispensava, mas quando descobriu os computadores na sua juventude, ele soube imediatamente o que ia fazer.

    Depois da graduação, se especializou em ambientes virtuais e era perito em recriar realidades no mundo virtual. Seu trabalho na SyCorp era gratificante financeiramente e ele tinha todo o apoio tecnológico para suas criações. A SyCorp desenvolvia softwares de realidade virtual para jogos, simuladores de vôo e, secretamente, para uma agência ligada ao governo que treinava homens para o combate.

    O trabalho de Marco nos últimos 14 meses era em um software secretíssimo encomendado por esta agência governamental. Por ser tão sigiloso, Marco não tinha uma equipe de trabalho: trabalhava só. Também tinham vasculhado sua vida em busca de nódoas que não foram encontradas, além de lhe fazerem assinar um termo de responsabilidade, o que garantia à agência o silêncio de Marco.

    A tecnologia utilizada era de última geração e Marco estava tão absorto em seu trabalho que nem mesmo ia mais para casa, ou ligava para sua mãe. O ambiente recriava a Amazônia perfeitamente, e quem estivesse ligado ao video-capacete e a roupa VRML, não faria diferença da Amazônia real e da virtual.

    Marco até mesmo tinha incluído alguns “easter eggs”, porém muito escondidos, pois era um trabalho extremamente profissional e se os chefões da agência descobrissem suas surpresas ele poderia responder um processo por isso.

    Neste dia em especial, Marco estava trabalhando ininterruptamente há quase 18 horas. Fazia testes com os personagens virtuais que havia criado no simulador e estava usando os equipamentos virtuais. A roupa o fazia suar, mesmo com o ar-condicionado ligado no máximo. E o vídeo-capacete já havia tirado sua noção de realidade. Explorava alguns dos ambientes da Amazônia que ele mesmo havia criado baseado em vídeos tirados in loco. Tinha total controle sobre ambiente e personagens, e analisava algumas falhas de software quando seus olhos viram ao longe algo que não devia estar lá: uma mulher.

    Em plena selva amazônica virtual, onde devia haver apenas bichos nativos criados por software e alguns guerrilheiros e soldados, uma mulher, alta, pele translúcida, cabelos negros e corpo esguio se banhava no rio feito de bits.

    Seus olhos não podiam acreditar. Alguém tinha que ter programado aquela mulher, mas Marco não sabia quem, pois este projeto era única e exclusivamente seu. Ficava trancado a sete chaves. Sua sala tinha entrada através de reconhecimento biométrico, só ele com sua digital podia entrar. O servidor que utilizava não estava em rede com nenhuma máquina. Não possuía nem mesmo conexão wireless.

    Enquanto pensava nas mais diversas hipóteses, ele foi se aproximando da mulher que estava mergulhada até a cintura. Estava agora tão próximo que podia ver as gotas de água escorrendo de seus cabelos. Mas a mulher nem mesmo o olhou, continuava seu banho como se ninguém a estivesse observando.

    Ela era perfeita vista assim de tão perto. Marco procurava ver os pixels de sua definição mas não encontrava. Se não soubesse ser impossível, ele diria que ela era real e estava, assim como ele, conectada ao sistema. Ela estava nua, mas seu cabelo liso e grosso tampava os seios, e a água ligeiramente turva protegia o restante. Estava tão próximo agora que podia ouvir a respiração dela. Era só esticar os dedos e ver se ela era real, virtual ou fruto de sua imaginação.

    Sem resistir, Marco ergueu seu braço em direção a ela. Lentamente aproximou seus dedos, com medo de tocá-la. E quando seus dedos roçaram a pele da moça, Marco sentiu a suavidade de sua pele por alguns instantes, apenas uma fração de segundos, antes dela gritar e afundar na água, afastando-se dele.

    Depois de nadar até colocar uma distância segura entre eles, ela o olhou, como se o reconhecesse, e lhe sorriu. Ele não sabia o que fazer. Não tinha coragem de mexer-se e fazer a aparição maravilhosa sumir. Agora podia ver seus olhos de um intenso verde mata, confundindo-se com a vegetação. Ela abanou para ele e mergulhou. Seu cabelo negro voejando ao seu redor foi sumindo e ela desapareceu.

    Marco ainda a procurou na água, na mata ao redor, em todos os lugares que ela pudesse esconder-se e que ele conhecia melhor que sua própria casa. Foram horas até que cansado, ele desistiu de procurá-la convencendo-se que era apenas uma visão causada pelo stress e o trabalho árduo.

    Marco saiu do sistema, tirou a roupa e o capacete e resolveu tomar um banho para relaxar e espantar o calor. Era noite e ninguém mais estava na SyCorp. Relaxado e menos cansado ele resolveu procurar no código-fonte pistas sobre a misteriosa mulher. As linhas de código passavam sobre seus olhos e ele apenas via as imagens que elas representavam: onças, tucanos, araras, homens, árvores, cascatas, rios, pedras, mas nenhuma mulher como aquela. As horas foram passando enquanto o olhar de Marco percorria linhas e linhas.

    O dia já amanhecia, mostrando suas cores alaranjadas no fundo céu azul marinho. E então um bipe desviou sua atenção. Um programa de mensagens instantâneas, desativado por falta de rede, abriu-se sozinho e uma mensagem piscava na barra de tarefas. Intrigado Marco abriu a mensagem automaticamente e leu:

    “Olá, me procurando ainda? Você não vai me achar assim. Saiba que nem tudo é exato dentro de uma máquina. Até breve!”
    E na barra de títulos o nome Iara indicava de quem era a mensagem.

  2. 8 comentários:

    1. Vivi disse...

      Medéia e seus desfechos supreendentes. O clima de inexplicável no ar foi bem real...rsrs
      Muito bom!
      Beijos

    2. Anônimo disse...

      A versão tecnológica, irreal e científica da sereia iara (yara?) versão 2008.

      Adorei.

    3. Vivi disse...

      Por falar em Iara, ficou com saudades do tema Lenda, Medéia?
      Não esperava pela aparição da Iara. Fui pega de surpresa.

      Show!

    4. Obrigada Meninas...
      E Vivi, eu também me surpreendi.
      A história não me veio toda na cabeça... fui escrevendo aos poucos. Criei o Marco, pensei em fazer um Hacker e acabei indo para a Realidade Virtual.
      Daí imaginei a empresa e os softwares.
      Um software secreto brasileiro = uma agência governamental = só podia ser ambientado na Amazônia.
      Daí pensei nele dentro do software e uma surpresa = uma mulher.
      Quando comecei a descrever a mulher é que pensei na Iara. Talvez ainda influenciada pela Lenda.
      Saiu assim...
      Bjos

    5. Cris disse...

      Medéia, Parabéns!!!
      Realmente surpreendente e muito criativo. Adorei.

      Bjs

    6. lili disse...

      Quanta criatividade menina!!
      Parabéns Medéia! Fiquei curiosa para saber o que mais vai acontecer rsrs
      Excelente!!
      Beijos
      Lili

    7. disse...

      Criatividade sem limites. É essa a proposta. Gostei muito da história. Ciência e tecnologia com um clima sensual no ar.
      Parábéns, Medéia!

    8. Anônimo disse...

      Em minha opinião o texto da Medeia me parece ser o mais coerente com o tema proposto, sem desmerecer a qualidade e criatividade dos outros, pois este se ateve mais ao tema.

      Em relação ao texto, este reuniu elementos que o tornaram de fácil entendimento e simplicidade embora o tema seja complexo. Medeia utilizou a ciência como pano de fundo, através da realidade virtual, com uma pitada de romantismo e suspense, lembrando o filme “Blad Runner” embora este se ateve muito mais ao romantismo. Com um final “a la Charles Chaplin” o texto de Medeia criou um desfecho que não explicou nada muito pelo contrário, deixando o leitor com um nó na garganta. talvez quisesse deixar o desfecho por conta da imaginação do leitor.
      A única crítica que poderia fazer ao texto é um conteúdo científico maior. Poderia ter explicado mais os aspectos da realidade virtual. Sei que isso é difícil e o espaço é limitado. É uma chance para despertar a curiosidade científica. Romances científicos podem cair no cientificismo que ao meu ver não são muito interessantes ou utilizar um embasamento científico real, despertando o leitor para a ciência, estes são mais raros e de difícil produção. Talvez pela limitação de espaço, Medeia não optou por uma coisa nem outra, apenas deu uma pincelada.
      Meu voto é para o texto da Medeia.

      Autor Germano. gberaldo@hotmail.com