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  1. Kaldi acordou antes do sol nascer como fazia todos os dias. O cheiro do pão já impregnava as paredes da cabana de barro onde vivia com a mãe. Ela acordava ainda mais cedo para assar o pão que ele levaria ao pastoreio. Sua rotina era a mesma da sempre e nada mudava.

    Após lavar-se e colocar sua roupa de pastoreio, Kaldi colocou alguns pães em seu embornal de pele de cabra, muita água fresca no cantil também feito com pele e foi buscar suas cabras. O sol começava a despontar no horizonte quando ele subia a colina com Haru, um velho cachorro, e seu rebanho de cabras.

    Costumava levar suas cabras muito longe dali, em uma região que ficava ao leste da sua casa, com muito mais vegetação, onde os bichos pudessem pastar a vontade. Para mudar sua rotina, seguiu para o norte a procura de algum novo lugar. As cabras estavam engordando e na próxima lua levaria algumas para vender no mercado. Enquanto isso sua mãe preparava queijos curtidos e separava alguns tachos de leite para vender também.

    Encontrou um lugar verde caminhando muito tempo na direção norte. O rio que seguia em direção ao mosteiro passava também por ali, e Kaldi resolveu deixar as cabras soltas para pastarem a vontade. Deitou-se sob uma árvore frondosa, próxima ao rio, e deixou-se levar por alguns sonhos.

    Quando a fome apertou, pescou um peixe de bom tamanho e o colocou para assar na pequena fogueira que acendeu com este único intento. Comeu com bocados de pão, enquanto tomou goles de água do cantil.

    Quando o sol começou a baixar foi em busca de suas cabras para retornar para sua casa. Haru já conhecia a rotina e pôs-se a correr trazendo aos poucos porções do rebanho. Kaldi não sabia contar e nem ler, mas podia ver que faltavam algumas cabras. Provavelmente haviam se afastado muito do restante do rebanho.

    Ele então se embrenhou no bosque e caminhou um bom pedaço. Ouviu balidos ao longe e soube que estava no caminho certo. Ao avistar suas cabras levou um grande susto. Elas pulavam e baliam de maneira estranha. Pareciam animadas e vigorosas. Algumas comiam um arbusto próximo e quando Kaldi chegou perto observou que na verdade comiam pequenos frutos vermelhos do arbusto. Estranhando o comportamento dos bichos, o pastor reuniu em sua sacola o máximo que pode dos frutinhos. Levaria ao mosteiro pois o monge Saulo conhecia algumas plantas e poderia lhe dizer o que era.

    Kaldi então reuniu todas as suas cabras e seguiu o rio em direção ao mosteiro. Era mais próximo que sua casa e o monge Saulo poderia lhe dizer que arbusto era este e se era responsável pelo comportamento estranho das cabras.

    O mosteiro surgiu então imponente. Suas paredes eram de pedra e uma pesada porta de madeira indicava a entrada. Kaldi chamou o monge sentinela e pediu para entrar. O monge já o conhecia pois Kaldi trazia cabras, leite e pequenas oferendas ao abade. Deixou Kaldi entrar no átrio principal e pediu a outro monge para chamar o monge Saulo. Em pouco tempo surgia o velho monge que cuidava das plantas do mosteiro. Um grande chapéu de abas largas protegia sua cabeça calva e um avental de retalhos protegia seu hábito da sujeira da terra em que ele trabalhava. O abade vinha logo atrás seguido de dois jovens monges.

    O pastor beijou o manto dos monges com um joelho no chão. Só então mostrou os frutinhos vermelhos e explicou que as cabras pareciam cheias de energia e vigor. Monge Saulo nunca havia visto nada parecido. Uma planta que modificava o comportamento dos animais? Isso só podia ser coisa do demônio. Disse ao jovem pastor para jogar no fogo os frutinhos pois se os levasse para casa podia estar levando o demônio junto. Os outros monges concordaram e Kaldi então jogou na fogueira do mosteiro que já ardia para esquentar os monges na longa noite de vigília, todos os frutinhos que colhera. Resolveu deixar com os monges as cabras “possuídas” pois não queria nada que pudesse ter um dedo do príncipe do inferno. Despediu-se dos religiosos e foi para sua casa com Haru e as cabras restantes para dormir e continuar sua rotina diária.

    Durante a noite os monges que estavam de vigília sentiram um aroma forte e maravilhoso que brotava do fogo que ardia. Nunca antes tinham sentido tal perfume. Lembrando-se dos frutinhos, chamaram monge Saulo, que resolveu recolher no dia seguinte os frutos enegrecidos pelo fogo. Colocou-os em um pilão e esmagou-os bem, transformando-os em um pó negro e fino que mantinha o aroma exalado no fogo.

    Ao conversar com o abade perceberam que podiam estar errados, pois um aroma tão maravilhoso só podia vir de Deus. Resolveram provar o pó numa infusão com água fervendo e descobriram que não só o aroma era fantástico mas o sabor era muitas vezes melhor que o chá a que estavam acostumados. Monge Saulo fez vários experimentos durante o ciclo de uma lua e descobriu que a infusão divina não apenas era saborosa e aromática, mas mantinha os monges acordados e com energia durante a vigília.

    Kaldi então foi chamado para levá-los ao arbusto e uma plantação da aromática fruta iniciou-se dentro dos muros do monastério. A história dos frutinhos vermelhos espalhou-se e muitos vinham ao monastério buscar o pó aromático como remédio para o desânimo.

    E o pastor e suas cabras?
    Kaldi ainda mantinha sua rotina, acordando antes do sol nascer, mas agora o cheiro no pequeno casebre onde morava com sua mãe era de pão assado e café passado.

  2. 6 comentários:

    1. Unknown disse...

      A história é real, não é?
      Eu já havia lido algo sobre esta história, mas não romanceada assim.
      Linda mesmo. Adorei porque se manteve bastante no tema.
      Parabéns

    2. disse...

      Eu nunca havia lido sobre essa história.
      Mas, posso dizer que li a lenda do café versãos Medéia
      Me lembrou muito as lendas que lia no tempo de escola.
      O texto é interessante . Composto por elementos que remetem à temática proposta.
      A pergunta no final é desnecessária. Quebra o ritmo do texto.

      No mais, meus parabéns, Medéia!

    3. a pergunta realmente ficou sobrando ali. E pra ser chato, as cabras pareceram vigorosas me soou estranho. como se parece uma cabra vigorosa. talvez se elas estivem agitas, superativas (não com esse termo obviamente) seria mais condizente, acredito. Mas é um detalhe, no restante e no geral, acho q ficou legal, bem dentro do tema.

    4. Vivi disse...

      Sim, Medéia, você nos presenteou com um ótimo texto, bem estruturado ainda que como a Rê mencionou tenha havido uma dificuldade miníma em estabelecer o desfecho da história. Bem aproveitada a idéia do momento Eureca da história do café. Boa, garotinha!

      Beijos

    5. Cris disse...

      Medéia,
      que interessante seu texto, com riqueza de detalhes. Agora serei eternamente grata a Kaldi e sua descoberta fabulosa e deliciosa.
      "E viva Kaldi".
      Parabéns!!

      Bjs

    6. Lori disse...

      Eu não li nada sobre isso, não sei se é real, mas se for adorei a forma que foi contado até parece uma história imaginaria...bjus elis!!!!!