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  1. Espera

    31/03/2013

        Era uma quarta-feira à noite. Há tempos não ia àquele barzinho na Vila Madalena que Aldair tanto gostava. Foi lá que nos conhecemos, no aniversário de Lílian. O garçom me reconheceu e sorriu. Perguntou se eu estava sozinha, e respondi que estava esperando alguém. Por dentro, ri da minha própria frase, duplamente verdadeira. Logo eu, tão acostumada a mentir. Mas as pessoas mudam ou são mudadas: no meu caso, foi a segunda opção.
        - O de sempre? – perguntou ele, assim que eu me sentei à mesa.
        Não lembrava o que era aquele "o de sempre", mas provavelmente tinha álcool, então achei melhor não arriscar.
        - Não... hoje, não. Vou querer um suco de laranja, por enquanto. Brigada.
        Ele se retirou e eu olhei pro relógio - ainda faltavam 20 minutos. Não cheguei cedo por ansiedade, era exatamente o contrário: só queria que aquilo terminasse o mais rápido possível. Foram as minhas amigas que me convenceram a marcar aquele encontro, após quase três meses sem sequer falar com Aldair. A culpa não era dele: eu é que não atendia às suas ligações e ignorava suas mensagens. Até ficou surpreso quando liguei, na noite passada, pra marcar um encontro.
        Não era um caso sério, estava mais pra um acaso. Nos víamos de vez em quando, conversávamos sobre coisas sem importância. Na maior parte do tempo, sequer falávamos (a menos que gemidos sejam considerados diálogos). Eu nem saberia dizer qual é a sua cor preferida, qual é o nome de sua mãe ou ainda pra que time ele torce.
        Folheava o cardápio desinteressada, pois já sabia o que pedir. E, com igual desinteresse, olhava  ao redor pra ver se Aldair tinha chegado. Não estava preocupada com a reação dele, pensava mesmo era na criança que crescia em meu ventre. Mais do que uma vida, dentro de mim havia possibilidades. Às vezes, me pegava tentando adivinhar-lhe o sexo, a cor dos olhos e do cabelo.
        Controlar minha ansiedade natural e não projetar minhas expectativas estava sendo um aprendizado e tanto. De nada adiantaria fazer suposições: apenas o tempo me revelaria, uma a uma, as verdades sobre o filho ou a filha que eu esperava. Algumas, talvez, eu nunca descobrisse. Quantos segredos eu também não tenho com a minha mãe até hoje?
        Sentia a mudança dentro de mim. Teria que aprender a me controlar pra conseguir ver e ouvir a realidade, em vez de tentar adivinhá-la sempre. Era do tipo que saía da sala de cinema se imaginava que o final não ia me agradar. Fazia isso com pessoas também.
        Olhei novamente o relógio, agora já haviam passado cinco minutos do horário combinado. Estava com fome e achei que, na minha condição, não valia a pena fazer cerimônia. Aldair costumava ser pontual, talvez chegasse antes da comida.
        Pontualidade era uma das poucas características de Aldair que eu conhecia e que apreciava. Lílian me garantiu que Aldair era um cara legal. Depois de tantas decepções, confesso que nem me importei muito com a avaliação de minha amiga e não estava esperando nada sério. Creio que ele também me via da mesma maneira.
        A comida chegou e nem sinal de Aldair. Não era comum ele se atrasar tanto. Será que já sabia e fugiu? Não era impossível, afinal temos amigos em comum e eles deram indiretas de que Aldair já estava em outra. Três meses de ausência é muito para quem não espera nada. Mas se fosse isso, por que aceitou me encontrar?
       Não tenho muito o que dizer a ele. Penso que ele tem o direito de saber, mas não o dever. Já estou decidida a cuidar da criança sozinha.
      Terminei de comer e nada de ele chegar. Digo pra mim mesma que era melhor assim. A conta chega, procuro meu cartão na bolsa e percebo que o celular está piscando. Só então vejo que há ligações perdidas e mensagens não lidas. Com o barulho do bar, não ouvi o toque do telefone. Após pagar a minha conta e antes de me levantar, leio as mensagens uma a uma.

    "19h50
    Desculpa, chegarei atrasado. Reunião urgente. Por favor, espere. Acho que chego às 20h30."

    "20h19
    Cliente atrasou. Começou agora."

    "20h56
    Reunião se prolongou, escapei. Chego em 20 minutos. Desculpa, devia ter saído antes."

       Nem tenho tempo pra digerir aquelas mensagens, ele já está em pé, na minha frente. Pede desculpas e parece constrangido.
       - Como está? Parece bem - diz ele, tentando disfarçar a própria agitação.
       - Vi suas mensagens só agora. Quase fui embora - falei.
       - Ainda bem que não foi! Desculpa te fazer esperar. Marcaram a reunião em cima da hora.
       - Que nada, a gente podia se ver outro dia. Vai ter problemas na empresa? - perguntei.
       - Não se preocupe, eu me viro. Faz tempo que quero te ver.
       Desviei o olhar. Por que me sentia daquele jeito, ansiosa? Tentei me distrair e olhei ao redor. Muitos tinham ido àquele bar pra assistir ao futebol. Ainda faltava mais de meia hora pro jogo começar, mas aqui e ali as pessoas, inflamadas pelo álcool, já discutiam os possíveis resultados.
       - Vou pedir essa porção. Me acompanha? - perguntou ele.
       Ele me encara e, talvez seja impressão, mas percebo que demora o olhar em minha barriga. Apesar de já estar com quase quatro meses, eu sabia como me vestir e me disseram que quase não dava pra notar. Mas algo me diz que ele sabia. Sabia e, mesmo assim, aceitou me encontrar. Isso eu não esperava. E não esperava também que eu perguntasse a ele, curiosa:
       - Escuta... pra que time você torce?
       Cansei de tentar adivinhar o final. Desta vez, sinto que não sairei da sala antes de o filme acabar. Talvez eu me surpreendesse. Talvez não. Senti que muita coisa poderia acontecer até aquela criança vir ao mundo. Era só questão de esperar.
       Afinal, o que seria mais alguns meses pra quem já esperou por tantos anos?

  2. 5 comentários:

    1. Nossa, haja paciência com minha internet.
      Tô tentando comentar teu texto há 15 minutos.

      Well, que direi?
      Você é uma romântica incurável e levou para o amor a paciência.
      O amor romântico e o amor de mãe.
      Esperar 9 meses ou 3 meses ou 2 horas? Haja paciência...

      Gostei bastante do texto, Débs... eu não teria esperado tanto tempo... eh eh eh

    2. Debs disse...

      O mais estranho é que eu não gosto de escrever sobre isso - mas desde que entrei aqui, só consigo pensar em histórias meio românticas... até eu estou estranhando! Vamos ver se este mês consigo escrever algo que seja mais a minha cara. =)

    3. Vivi disse...

      Débs, não faz isso! Eu aqui ansiosa para saber o que falariam e aí vem o final em aberto. Aliás, ansiedade que é parente da expectativa. Expectativa que ronda todo o texto e é também transferida para o leitor.

      Muito bem bolado! Dá para ver os registros da paciência em vários trechos. Ela está ali no tempo da espera cronológica, biológica, psicológica, relacional e, inclusive, nos artifícios habituais para atenuar a impaciência; o que é bem visível nessa parte: "Ainda faltava mais de meia hora pro jogo começar, mas aqui e ali as pessoas, inflamadas pelo álcool, já discutiam os possíveis resultados". Gostei dessa imagem. E gostei muito mesmo da ideia bem como de sua execução.

      Sobre o fato de estar descobrindo sua verve romântica, tenho um testemunho a fazer. Antes da IL, só escrevia textos românticos. Mas aqui foram poucas as vezes em que escrevi um história romântica. Descobri-me escrevendo poesias e textos mais reflexivos, algo que nunca havia feito antes. Vai entender...

      Bjs!

    4. Debs disse...

      Hahaha! Mto obrigada pela crítica e pelo testemunho. Gostei muito de saber! =)

      Estou achando diferente (e estranho) esse meu lado romântico na escrita, mas é um experimento.